O ritual se repete quatro vezes por dia. Logo pela manhã, uma cápsula de antidepressivo. Após o almoço, um comprimido de estabilizador de humor. Ao anoitecer mais um antidepressivo, turbinado. Para dormir, comprimidos de ansiolítico.
É claro, não poderia esquecer dos inúmeros cigarros queimados ao longo do dia. O álcool também participa do receituário. Mas a cada gole, uma animal parece perfurar as vísceras, a alma. Os estágios de embriaguez aumentam e vem o alívio momentâneo. Depois é ressaca moral e cama. Isolamento social.
Nada disso contribui para a evolução positiva do depressivo. Apesar da insistência do médico nas consultas mensais, tudo parece igual. Tristeza, desmotivação, angústia. Falta vontade para viver e, pasmem, para morrer.
A esperança que alimenta a alma está subnutrida. Ela é dilacerada pelo desânimo e pela incredulidade. Amores que não acontecem, investidas profissionais que não dão certo, conflitos familiares e com amigos.
A terapia parece trazer um sopro de vida. Mas, definitivamente, é difícil adaptar-se a ela e os resultados, dizem, são muito demorados. Submeti-me à psicanálise por dois anos e tinha a impressão de que beirava à loucura. Talvez um estágio do processo, mas muito pesado para levar adiante.
Para os psiquiatras, as coisas parecem mais simples. Claro que não descartam os fatores ambientais intervenientes. Mas tratam os pacientes quimicamente, neurotransmissores desregulados nas interações sinápticas dos neurônios.
Não creio que que seja tão simples assim. Prova disso é que já passei por inúmeras interações medicamentosas e nada parece resolver. "Parece cocaína, mas é só tristeza". E não é a minha cidade, sou eu mesmo.
Li recentemente que existem sujeitos com a personalidade depressiva por natureza. Aceitar essa condição seria um bom princípio de entendimento do ego.
Ego que Freud diz ser obliterado pela sociedade. Enquanto o ego representa nossos desejos mais profundos, o superego (a sociedade) castra nosso impulsos íntimos. Gera-se o "mal-estar da civilização".
Solitários do ciberespaço, nosso nível de relacionamento face a face está diminuindo progressivamente. Há sempre que esperar alguém a chamar na janela do chat. Mas que não seja demorada a conversa, pois logo perco a paciência.
O túmulo, com sua lápide fria e com um epitáfio simbólico não é o caminho. Apesar da certeza de que todos vamos habitar este lugar horroroso.
Em compensação, a promessa de uma vida eterna plena de paz e harmonia é sedutora. Será que realmente existe esse paraíso? Ao tomar as doutrinas mais ortodoxas, creio, estou longe desse lugar prometido.
Só e necessário entender que o estado de alma não possui um botão de liga e desliga. Ele é permanente. A tristeza é bem vinda para refletirmos sobre nossos atos. Mas a tristeza full time é aterrorizante.
Aterrorizantes também são as frases tipo: "isso é coisa da sua cabeça", "sai dessa", "depressão é coisa de rico", "vá trabalhar". Não é tão simples assim.
Precisamos tirar força do útero, mesmo os homens, pois é de lá que vem a vida. De lá vem o alimento que não nos permite dizer não ao corpo terreno.
Enquanto tudo permanece da mesma forma, vamos criando ilusões, quem sabe o príncipe encantado não bate à nossa porta ou nos chama naquelas silenciosas janelas de bate-papo das redes sociais.
Só assim, com essas falsas ilusões, torna-se mais suportável habitar essa dimensão de purificação que é Terra. Mesmo assim um exercício hercúleo, pois nenhum lugar parece nos satisfazer.
Ai mundo estranho, por que me trouxeste para sofrer desmedidamente sem motivos e, pior, sem cura?
Nenhum comentário:
Postar um comentário